Você não precisa ser o melhor

Gabriel García Marquez é um escritor excelente. Eu não sei escrever tão bem quanto ele.

Essas duas afirmações, colocadas assim, não deveriam significar nada além disso: quando se trata de escrever, Gabriel García Marquez chegou a um patamar de qualidade excelente. Simples, certo?

Porém, como bom ser humano, a existência do Gabriel García Marquez me paralisa. Ele é melhor do que eu, portanto cabe a ele escrever, não a mim. Aquela sensação de ser uma fraude ataca de novo.

Em todas as minhas atuações profissionais e criativas, sempre me pego agarrado a essa ideia: “mas fulano é melhor”. Diagramação? Minha amiga designer é melhor. Revisão? Minhas amigas da Editora da UFRGS são muito melhores do que eu. Docência? Alguns professores da graduação e da pós têm uma didática incrivelmente superior (e também conhecem mais e pesquisam melhor). Orientação e edição? Minha professora de escrita criativa é tão mais articulada e profissional…

Escrever? Tem muita gente com habilidades maiores do que as minhas para articular palavras e produzir sentidos claros, poéticos e inteligentes.

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Isso não significa que eu não seja bom no que faço.

Eu sou um bom escritor, eu sei escrever e a cada dia estou aprendendo a escrever melhor.

Acho que todos nós, em algum nível, carregamos esse medo de que alguém descubra que na verdade somos fraudes. Essa dúvida que fica lá no fundo, uma sementinha pequena que, quando olhamos de novo, já virou floresta. Essa floresta não é um medo nosso, não é um receio particular. É o medo da desaprovação coletiva. É o medo de que o outro, seja lá quem for, aponte-nos o dedo e diga “eu sabia que você não era tão bom assim”.

Fazemos isso porque somos ensinados a nos comparar o tempo inteiro com o sucesso alheio. Na escola, quem nunca teve o professor que apontava o melhor aluno? Todos os outros tinham ele como espelho, e o melhor aluno tinha o dever social de permanecer sendo o melhor. Na estrutura típica de trabalho, a vaga é sempre do melhor, do mais qualificado, do mais experiente, do que se vende melhor. Na balada gay, a regra geral para negar o outro é a expectativa de que possa aparecer alguém melhor, mais interessante e mais bonito.

Essa comparação excessiva geralmente produz a sensação de que nunca seremos bons o bastante.

Isso é a necessidade de confirmarmos quem somos através do olhar do outro. Somente depois de publicar um conto em livro é que consegui encher a boca pela primeira vez para dizer que sou escritor. De vez em quando ainda falho nessa autodefinição, pois sei que há escritores melhores. É como se um deles fosse descer da minha idealização, olhar para mim e dizer “não, Tales, você não é um escritor, para de mentir”.

Talvez isso até aconteça; afinal, ser humano é um bicho estranho. Se acontecer, será o momento de lembrar a mim mesmo de que nunca precisei de aprovação alheia para ser quem eu sou. Essa pequena dose de orgulho e autoconfiança me parece obrigatória para quem deseja construir um lugar para si no mundo.

Não é fácil, pelo contrário. Às vezes há um mundo inteiro dizendo que não deveríamos ser quem somos, que seríamos melhores se fôssemos diferentes, se fôssemos mais isso ou menos aquilo.

É esse o momento de fincar a bandeira do orgulho no chão e dizer: só cabe a mim dizer quem sou.

E eu, meus amigos, sou um escritor e ser o melhor não é o meu objetivo.