Do que eu falo quando eu falo de corrida – Haruki Murakami

Existem dois tipos de livros para escritores: aqueles que ensinam a escrever e aqueles que ensinam a ser escritor, duas habilidades igualmente importantes para o que diz respeito a viver de escrever.

O livro Do que eu falo quando eu falo de corrida, do japonês Haruki Murakami, pertence ao segundo.

Capa do livro de Haruki Murakami
Capa do livro de Haruki Murakami

Eu comprei este livro porque há tempos ouço falar da narrativa de Murakami, dos livros fantásticos e do estilo inovador, e porque li na internet (essa fonte inesgotável de pavores para professores de metodologia científica) que era um bom livro para escritores.

Há duas histórias paralelas no relato pessoal que o autor delineia por 150 páginas: como ele se tornou um romancista e como ele se tornou um corredor de longas distâncias, o segundo tomado como fundamental para dar força (física e mental) para que o primeiro pudesse ganhar ritmo.

Aos 29 anos, Murakami decidiu que escreveria um romance. Nessa época, ele trabalhava com um bar de jazz, que viria a largar logo depois para se dedicar integralmente à escrita. Identifiquei-me de imediato: como ele, estou disposto a largar a tranquilidade de uma vida dócil pela busca de um sonho louco.

O autor sugere que são três os requisitos para um escritor: talento, concentração e persistência. Os dois últimos podem ser treinados e reforçados com o tempo, mas o primeiro – talento – seria mais uma propensão natural, uma fonte interna com a qual já nascemos e que pode eventualmente se esgotar. Talvez eu tenha entendido errado, mas resisto à ideia de que talento seja algo com o que se nasça.

Para falar a verdade, resisto menos por discordar e mais por não querer ser uma das pessoas que teriam nascido sem talento. Sorte minha que não há como medir isso, posso continuar acreditando na minha própria habilidade com as letras.

Se o talento é responsável por ajudar na organização das ideias e em transformar palavras em frases e frases em histórias, a concentração vem para apagar o mundo exterior enquanto nos sentamos – por horas, dias, semanas, meses, anos! – para escrever e desencavar de nós ideias e narrativas. Qualquer um que se canse rápido e não consiga estabelecer um foco estará com grandes problemas para escrever.

O mesmo vale para quem desiste fácil. Escrever, e especialmente escrever romances, é um trabalho árduo, demorado, cheio de obstáculos. Ter persistência, portanto, não é garantia de que chegaremos a algum lugar, mas é o mais próximo que podemos chegar de não desistirmos antes de alcançarmos o que queremos.

O que escrever tem a ver com correr?

Comecei o livro me perguntando a mesma coisa. O quarto capítulo do livro se chama A maior parte do que sei sobre escrever ficção aprendi correndo todos os dias, uma declaração no mínimo ousada.

Ao fechar o livro, contudo, eu estava quase colocando os tênis para começar a correr.

As experiências narradas vão muito além do exercício físico. Elas descrevem um espírito zen que emerge no ato de estar presente em uma ação, de participar completamente do momento.

Correndo, Murakami desenvolve sua concentração e sua persistência, bem como a energia necessária para enfrentar horas de criação sentada, pois um corpo saudável é a base para uma mente ativa.

Com o livro, ele marca vinte e cinco (atualmente trinta) anos escrevendo e correndo, um dos poucos romancistas corredores. Comprei para mim, que um dia resolvi escrever não um, mas vários romances, e comprei também para minha mãe, que um dia resolveu correr e continua correndo ainda hoje.

Alguém já leu? O que achou?