Por que eu escolho a comunicação não violenta?

Recentemente ouvi Robina Courtin dizer que budismo é sua “hipótese de trabalho”, em vez de “eu acredito no budismo”. O que aprecio nesta fala é o lugar de escolha, eu escolho essa vivência, eu escolho essa filosofia, em vez de uma compra destemida de um ideário. 

Então quero começar por aqui: eu não acredito na comunicação não violenta. Eu escolho experimentar a comunicação não violenta porque o que vivi praticando suas propostas me ajudou a ter uma vida mais próxima do que eu quero. Aprecio tanto o que tenho colhido conforme semeio a prática da CNV que voltei a buscar as fontes anteriores. Comunicação não violenta foi sistematizada há sessenta anos? A humanidade está praticando pensamento compassivo e lidando com conflitos há muito mais tempo que isso, então certamente há mais para descobrir, investigar e experimentar do que apenas um livro escrito por um psicólogo branco norteamericano.

Para mim, a comunicação não violenta continua sendo relevante porque enxergo nela um convite à curiosidade. Isso é muito budista, inclusive. Aliás, o que sempre me trouxe para perto do zen budismo foi a premissa de que não devemos simplesmente aceitar qualquer ensinamento búdico. Devemos colocá-los à prova, analisar o que faz sentido, deixar de lado o que não.

Às vezes, quando falo sobre CNV com pessoas, vejo uma pergunta aparecer de forma recorrente: “como eu evito conflitos?”. Não dá. Conflito existe quando alguma coisa muda e deixa de atender às necessidades de todo mundo. Se a gente prestar atenção, alguma coisa mudou há milênios e tem gente que não tem todas as suas necessidades sendo bem atendidas há muito tempo.

Ter todas as necessidades sendo bem atendidas talvez seja uma ilusão, inclusive. Serei pretensioso aqui: me parece ser parte da condição humana, senão da condição vivente, estarmos sempre com alguma necessidade precisando ser atendida, senão pela primeira vez, novamente. Preciso comer todos os dias. Necessito de ar, água, afeto. Tudo isso se esgota e precisa ser cuidado de novo.

Algumas pessoas têm poder para sanar suas necessidades com mais facilidade do que outras. Venho pensando em poder como uma mistura conhecer e saber fazer, dinheiro e recursos e influência sobre outras pessoas. A capacidade de atuar sobre o mundo. Algumas pessoas têm mais poder do que outras. Não aquele poder pessoal, coisa bonita das falas sobre autonomia e emancipação intelectual – que acredito essencial –, mas um poder social, que se espalha e retroalimenta com base em quão próximos estamos do que é considerado merecedor de mais poder. Branquitude, masculinidade e heterossexualidade são alguns marcadores que facilitam o acesso a poder.

Em teoria, todo mundo é livre. Ou deveria ser. Acontece que ser humano é bicho e como qualquer cachorro, pode ser treinado e condicionado. Se passo uma vida inteira aprendendo a dizer sim senhor, me desculpe, por favor, esperar liberdade e autonomia chega a ser piada, e daquelas de mau gosto.

Daí de volta à comunicação não violenta, falamos sobre escutar, sobre empatia, sobre perceber o que está vivo no outro. Essa é uma parte importante, sim, sim; tem mais. Tem também escutar a si mesmo, perceber o que precisa cuidar, o que está faltando. E tem falar, dizer com honestidade. No plano ideal, falar com honestidade sobre o que preciso pode ser um ato bonito de conexão. “Gritar em girafa”, como dizem, mas a analogia pode não ser a melhor porque girafas pouco vocalizam, a despeito do pescoção. Na vida cotidiana, gritar em girafa com quem tem mais poder que você pode resultar em punição, dor e morte, além de desprezo e desumanização.

Falar em comunicação não violenta sem falar sobre nem dissecar como funciona o poder simplesmente não é suficiente. Eu escolho a comunicação não violenta e tantas outras linhas de pensamento, contemporâneas e ancestrais, porque não acredito que exista uma única linha capaz de cuidar da complexidade que constitui nossas existências.

Acima de tudo, me interessa continuar buscando um jeito de criar o mundo no qual eu gostaria de viver – para que também todos os outros seres viventes possam gozar junto. Se isso te interessa também, vou adorar conversar contigo.