O que faz uma história ser boa?
Essa é uma pergunta fundamental para os leitores, que não querem se decepcionar ao comprar um livro ou começar a ler uma história.
Mas é uma pergunta ainda mais importante para os escritores, que serão os responsáveis quase diretos por atender às expectativas do leitor.
Sempre que escrevo, me pergunto: será que ficou bom? Foi refletindo sobre minha própria escrita que percebi uma dificuldade em determinar o que é de fato bom. O texto de hoje é sobre isso.
No sábado, eu estava em uma livraria e uma senhora passou por mim falando com a amiga. Ouvi só uma frase:
Li o resumo, já sei a história.
Ah, eu e essa doce senhora em uma mesa de bar… Ou em um post do Facebook…
Sem a menor dúvida, temos opiniões diferentes sobre o que é a literatura e o que faz um bom livro. Para ela, o que deve fazer um bom livro é a história que ele tem a contar. Quem faz o quê, onde, como etc. Para muitos escritores, também.
Antes que me acusem de algo, vou já dizer: eu não sei o que faz um livro ser bom.
Já gastei bastante tempo discutindo no Facebook (sim, eu sei, muito tempo livre…) se um bom livro é aquele que consegue entreter o leitor.
Para aceitar esse argumento, eu teria que dizer “sim, O Código Da Vinci é um bom livro”. Ele certamente é um livro bem escrito e com uma história bacana que inclui elementos interessantes de conspiração e simbologia. Contudo, é um livro que a gente lê uma vez e nunca mais. Ele não tem nada a oferecer além da primeira leitura, pois o seu ponto forte é a história.
Fiquei com isso na cabeça e lembrei do meu irmão.
Ele e eu temos um gosto completamente diferente para arte e entretenimento. Ele devora livros do Walking Dead e do Percy Jackson. São livros cujo foco está na história, no que acontece com os personagens, na ação constante e no enredo cheio de perigos e conflitos. São livros equivalentes, na minha opinião, a filmes de ação e sangue.
Eu, por outro lado, embora aprecie esse tipo de filme (não tanto de livro, pois acho tempo demais para investir em algo que considero raso), busco nas minhas leituras um outro tipo de qualidade… uma qualidade mais refinada, sutil, intelectual e reflexiva. Ou seja, me interessam os dilemas humanos retratados na arte, a dúvida sobre o que é certo ou errado eticamente e a indecisão frente às questões que assombram a humanidade.
Exemplo: estou lendo Amsterdam, de Ian McEwan, e no início do livro um amigo pede ao outro que lhe mate caso fique senil. O amigo não dá a resposta imediatamente, afinal, é uma pergunta de impacto. Eu não sei se faria isso pelos meus amigos, então imediatamente estou envolvido com a questão e imaginando como ela afetaria a minha própria vida.
Eu não sei se, ao ler, meu irmão pensa “o que eu faria se os zumbis estivessem atrás de mim e não da personagem?”, ou “o que eu faria se um monstro gigante tentasse me esmagar?”.
Uma primeira pista para decidir o que é boa literatura poderia ser essa, ou seja, a história afeta a minha vida ou apenas me distrai dela?
Essa é uma divisão de ordem elitista, sem dúvida. Para essa visão, entreter é menos refinado do que afetar. Entreter é distrair, afastar, distanciar. Afetar, não, afetar é agarrar, abraçar com firmeza, chacoalhar.
Eu poderia dormir tranquilo com essa definição, mas ela não me parece suficiente.
Para falar a verdade, ela pode ser facilmente considerada como um divisor de águas entre quem consegue alcançar a complexidade dessa dita alta literatura e quem não consegue.
E se, ao invés de separar a literatura entre aquela que entretém e aquela que toca nossos sentimentos mais profundos, pudéssemos pensar em outro referencial que abarcasse ambos os casos, ainda que respeitando suas diferenças?
Penso que é o caso da experiência emocional.

A experiência emocional da literatura
Quando alguém pega um livro para ler, está atrás de alguma coisa. Todo leitor quer sentir alguma coisa. Não há leitor no mundo que vai à livraria, gasta cinquenta reais num livro, senta na poltrona de casa e pensa “oba, estou pronto para ler uma história cheia de tédio em que nada acontece”.
Ninguém faz isso.
Não, ninguém, mesmo, sério.
Todo mundo lê para sentir alguma coisa. O que é essa “alguma coisa” varia conforme o gênero ou proposta da história em questão. Um romance (tipo de história longa com muitos conflitos) romântico (de amor) produz experiências emocionais relacionadas ao amor e à incerteza de encontrar e manter por perto pessoas que nos façam felizes. Um conto de suspense serve para nos deixar tensos e ansiosos. Uma história de humor deve ser engraçada e divertida.
Essa experiência emocional é importante porque, diferente do texto jornalístico, não lemos um livro para saber o que acontece com os outros. Lemos para sentir e criar empatia com o que acontece. Ou seja, cria-se um vínculo entre leitor e personagem, independentemente desse vínculo levar ou não a reflexões sobre nosso próprio ser e estar no mundo.
Isso vale para o personagem que foge dos zumbis e torcemos por sua sobrevivência (temos medo por ele) tanto quanto para o amigo dilacerado pela dúvida de encerrar ou não a vida de alguém muito querido.
Certo, legal, e como se cria essa tal de experiência emocional?
Boa pergunta. Mesmo sem uma resposta definida, podemos supor algumas coisas a partir da estrutura básica das histórias. Todas as histórias acontecem em um lugar, envolvendo personagens que passam por conflitos. Essas histórias podem trazer questões humanas “universais” e podem ter no estilo da escrita uma ferramenta para impulsionar a experiência emocional produzida.
Os conflitos se desenvolvem no enredo. Antecipando um próximo texto, enredo é como a história é contada e não a história em si. Essa distinção é importante para nós escritores porque devemos conhecer a história primeiro e depois pensarmos em como vamos contá-la para os leitores. A maneira de contar obviamente interfere na forma como ela será lida e sentida.
Ao final deste texto, ainda não sei o que é a boa literatura. Não sei o quanto essa experiência emocional pode ser considerada subjetiva demais.
Não sei a experiência de quem vai dizer o que é bom para os outros.
É inegável que existe o campo do mercado editorial, que busca vender mais e muito. É também inegável que existe um campo acadêmico da alta literatura, com outro tipo de pretensões estético-filosóficas.
Em meio a esses dois campos (e certamente há outros), transitamos nós escritores. Por enquanto, fico satisfeito com a ideia de que boa literatura é aquela que encaixa comigo. Se outras pessoas sentirem algo parecido, podemos viver essa experiência em comunhão. Caso contrário, o mundo é grande o bastante para todos nós.
Bem… essas foram as minhas considerações sobre o que é boa literatura, mas continuo curioso. Para você, o que é uma boa história?