Eu decidi ser jornalista por causa do Tin Tin. A maneira como o garoto franzino e seu cachorro viajam pelo mundo, enfrentam vilões e desvendam mistérios me cativou a ponto de eu acreditar que essa seria uma vida melhor do que ganhar muito dinheiro sendo advogado.
(Hoje sei que não só a minha imaginação sobre o que significa ser jornalista estava errada, mas também a minha ideia sobre advogados não era a mais apurada. Aliás, minhas ideias sobre como a vida seria no futuro estavam todas bem erradas, e sou grato por isso.)
Na faculdade, tive algumas disciplinas voltadas ao jornalismo televisivo. Em uma delas, precisei ficar em frente a uma câmera, segurar um microfone e falar um punhado de frases.
Eram só uns quarenta segundos de texto, coisa simples, mas não consegui.
Estávamos uma colega e eu, e a matéria era sobre a Casa do Estudante Universitário (CEU) da UFRGS. Meu papel era simples: falar sobre a instituição e apresentar alguns dados dela, como o número de moradores e os benefícios de morar na CEU. Eu não consegui. Diminuímos uma frase, duas. De quarenta segundos fomos para trinta, vinte, quinze.
No final das contas, mal e mal falei uma frase.
O problema não era falta de memória ou de habilidade para falar, mas sim a vergonha de ser visto. Eu me desesperava frente à câmera porque ela registraria minha performance e eu poderia ser criticado infinitamente se fizesse algo errado.
Não que eu seja perfeccionista, apenas não aprendi a lidar com críticas, portanto sempre optei pelos caminhos que me permitiam evitá-las.
Desde que vim a São Paulo em busca de uma vida mais autêntica, porém, percebi que os caminhos sem críticas são atalhos sem futuro. E assim, quase dez anos depois, voltei a aparecer na frente das câmeras.
O que aprendi sobre gravar vídeos
É impressionante como duas atividades tão distintas podem ser tão parecidas. Tudo o que eu aprendi até hoje sobre escrever pode ser, de alguma maneira, adaptado para o que estou aprendendo com relação a gravar vídeos (e ouso dizer que o mesmo vale para qualquer trabalho criativo e, com um pouco mais de trabalho, para a vida como um todo).
Para ser excelente, é preciso ser arriscado
Com a escrita, cheguei a um ponto em que é fácil não errar: basta não ousar.
Escrevo textos de blog com velocidade e habilidade. Eles são bons, passam a mensagem e de vez em quando despertam emoção. É um nível suficiente para muitas coisas.
Quando comecei a fazer vídeos, pude observar a arte da criação com olhos de iniciante. Tudo parece novo, do momento em que penso o que dizer até a hora em que mando gravar.
Minha habilidade com vídeos ainda é muito restrita, e isso é maravilhoso porque me convida a explorar meus limites – inclusive com a escrita.
Sei que tenho muito a aprender se quero fazer bons vídeos, e aprender é a palavra mais importante deste texto. Essa experiência está sendo decisiva para lembrar-me que com o texto a regra é a mesma: tenho muito a aprender se quero alcançar meus objetivos como escritor. E eu quero.
O material usado interfere no resultado
Há muita diferença entre escrever com um lápis e um computador. Com o lápis, as ideias são desenhadas no papel e o pensamento desacelera, a fim de acompanhar e saborear cada palavra. Quando escrevo à mão, sinto que minhas escolhas de palavras são mais conscientes. No computador, por outro lado, posso ir e vir e alterar e corrigir o texto tanto, quanto e quando eu quiser, tornando o processo de revisão mais rápido, mas também sem rastros.
O mesmo parece valer para a gravação de vídeos, mas de uma maneira ainda mais óbvia. A escrita costuma ter como produto final páginas na internet ou livros, o que nos faz ignorar a típica falta de legibilidade dos escritos à mão. Quando eu gravo um vídeo com uma câmera ruim, por exemplo, fica visível essa ruindade justamente porque ela é parte da linguagem.
A aparelhagem da gravação também interfere: usando a webcam do meu computador, tenho uma imagem ruim, mas parada. Com o tablet, alcanço maior qualidade, mas é difícil manter a câmera numa posição decente (e a área de gravação também é menor).
Isso sem considerar a captação do som, que constitui todo um desafio à parte, sobre o qual não me deterei nesse texto.
Se mostrar ao mundo é estar aberto a ser ridículo
Fiz treze versões do meu “Oi, tudo bem? Meu nome é Tales e sou o criador do Ninho de Escritores”. Em todas elas, eu parei, gritei alguma coisa incompreensível para as paredes do meu quarto e recomecei o processo logo em seguida.
Simplesmente não estava saindo, até que gravei meu pequeno desabafo (compartilhado neste texto).
Pronto, depois de experimentar o ridículo, consegui fazer a parte séria do trabalho. Havia muito pouca coisa que pudesse me humilhar depois de reclamar feito uma criança sobre a dificuldade de gravar um vídeo, então também havia muito pouco a perder.
Ser ridículo pode ser uma estratégia útil também para quem escreve, já que tem a ver com ignorar o medo de errar. É lógico que queremos ser bem-vistos e bem-quistos, mas errar faz parte do percurso.
Quando estamos travados na criação literária, um caminho é escrever a pior coisa possível, cheio de clichês e de inconsistências, palavras mal escolhidas e frases beirando o incompreensível. Voi là, teremos à nossa frente um exemplo do pior que podemos alcançar.
Daí em diante, qualquer coisa que produzirmos deverá ser melhor.
A edição é tão importante quanto a produção inicial
No mundo dos escritores amadores ocorre uma supervalorização do fluxo inicial da escrita. Porém, nosso primeiro texto é igual ao primeiro jato de urina no início do dia: não conta. Sabe por quê? Porque costuma ser o mais óbvio e o menos trabalhado, o mais infectado com aquilo que absorvemos superficialmente do mundo exterior. Há quem defenda que isso faz um texto ser natural, e é verdade, mas a pergunta é: isso é uma qualidade por quê?
Por anos, defendi que autenticidade vinha antes de qualquer planejamento, maquiagem ou estratégia de apresentação. Eu pensava isso não apenas sobre a escrita, mas também sobre o modo de me portar em sociedade. Por que usar camisa em eventos sociais, se sou o mesmo Tales quando uso camiseta?
Ocorre que não sou o mesmo Tales, não para os outros.
Cada pessoa cria uma realidade a partir do que percebe do mundo e a percepção de cada sujeito é influenciada por uma variedade incontável de elementos e bagagens. Eu provavelmente posso superar uma primeira impressão que indique que sou uma pessoa sem graça, ou sem zelo com a própria aparência. Contudo, o quanto eu terei perdido nesse processo?
Fazendo vídeos, descobri que editar é o caminho para controlar, ou no mínimo direcionar, a maneira como a minha mensagem será recebida. Nada sei sobre as bagagens de quem me vê, por isso tenho em mãos apenas a possibilidade de selecionar o que e como será ou não mostrado em cada vídeo.
É necessário se alfabetizar
Um dos principais conselhos para aprendizes de escrita é ler muito. Por meio do contato com obras de outros escritores, desenvolvemos repertório e afinamos a nossa percepção do que consideramos bom. Contudo, isso não é o suficiente para escrever bem.
Vejo filmes, seriados e vídeos no YouTube e muitos deles me agradam, incomodam, excitam ou enojam. Assistir mais filmes pode me mostram o que me afeta, mas não como ou por que.
A literatura e o audiovisual são exercícios de linguagem. Devem ser tratados como o aprendizado de um novo idioma, no qual é importante saber ler e escutar, falar e escrever. E, assim como novos idiomas, podemos ler e escutar de forma descompromissada, absorvendo elementos e conceitos mais óbvios e superficiais, ou podemos efetivamente mergulhar na compreensão de como cada palavra ou cada cena significa aquilo que significa.
Na escrita, a leitura atenta produz esse aprendizado. No audiovisual, esse pode ser o papel da decupagem.
Mas apenas ler e escutar não é o suficiente para o exercício de criação em um novo idioma. No que diz respeito a escrever ou produzir vídeos, apenas a prática me ensinará a colocar em prática (com o perdão da redundância) meus aprendizados com a leitura, escuta e observação.
O desafio do fazer está em traduzir da mente para o mundo perdendo o mínimo possível de qualidade, significado e expressão. O que eu crio é resultado dos meus conhecimentos aplicados a partir das minhas habilidades.
Eu não sou o primeiro a aprender isso
Antes de começar a exercitar uma habilidade, uma boa ideia é consultar quem sabe mais. Se não há ninguém por perto que possa me ensinar, posso perguntar ao Google, ir atrás de tutoriais no YouTube, perguntar no Facebook, usar o Yahoo! Respostas…
Uma pesquisa rápida sobre como fazer bons vídeos já me indicou uma série de aprendizados importantes. Alguns deles eu já conhecia, devido à minha formação como jornalista, mas vê-los sistematizados auxilia no processo de procurar soluções para as minhas dificuldades.
No artigo 10 dicas de como fazer bons vídeos pra web, do YouPix, encontrei algumas questões com as quais tenho me esbarrado. A iluminação frontal, por exemplo. Estou gravando os vídeos em meu quarto, onde fico de lado para uma janela. Desnecessário dizer que meu rosto parece meio escuro, meio fantasmagórico de tão branco. Uma solução seria gravar de frente para a janela, mas como lidar com o fundo feio do quarto?
(Mas como minha principal fonte de luz é o sol, eu fico azul quando ele brilha demais e escurecido quando ele se esconde nas nuvens.)
Outra questão técnica legal diz respeito à qualidade do som. Dependendo do aparelho que usamos para gravar o som, os ruídos do ambiente podem interferir no resultado final. Nada pior do que um helicóptero passando enquanto a gente tenta dizer algo inteligente, engraçado ou útil.
O programa de edição também é importante. Estou usando o básico Movie Maker, do Windows, mas já o acho limitador para meus planos.
No artigo há outras dicas bem legais sobre sites para conseguir trilhas sonoras, como fazer cortes e referências para aprender mais sobre fazer vídeos. Vale o clique.
Outra referência que encontrei e achei bacana foi o Manual do Mundo. O vídeo é rápido e traz propostas práticas sobre como pensar e editar vídeos. (Após o quarto minuto dá para pular, pois se trata de uma promoção que não está mais em vigor.)
Depois de olhar esse vídeo, meu amadorismo com as câmeras tornou-se ainda mais evidente.
Na minha rápida pesquisa, localizei mais dois artigos que valeram a pena dedicar um tempo: um do Instituto Claro sobre como fazer vídeos em sala de aula e outro do site Falar pra Câmera.
Uma conclusão: qualidade leva tempo (e esforço)
Os meus vídeos para o curso online do Ninho de Escritores são, na melhor das hipóteses, amadores. Há muitos argumentos que posso oferecer para justificar: não tive tempo de aprender, perdi oportunidades durante a faculdade, eu era tímido, nunca achei que faria vídeos, estou querendo fazer os vídeos conforme a aulas acontecem e não tudo antecipado etc.
Argumentos, argumentos, mas aqui a verdade é uma só: qualidade leva tempo e esforço. Fazer bem feito demanda dedicação, exige que nos coloquemos no processo por inteiro (ou pela metade no dobro ou triplo do tempo).
Por favor, não me entenda mal: acredito que feito é melhor que perfeito, que deixar de fazer porque ainda não somos bons o bastante não é um bom motivo. Entretanto, isso não significa se contentar com o medíocre só porque o medíocre é fácil.
E isso, como tudo o que aprendo sobre a escrita (e sobre a gravação de vídeos), também vale para a vida.