Ontem postei um texto sobre o filme Malévola e afirmei que se tratava de um filme interessante de ser olhado sob um viés feminista. Essa escrita gerou algumas reações, portanto resolvi continuar a conversa a esse respeito, pois achei válidas as argumentações que me foram apresentadas.
Apesar do beijo que salva não ser o do príncipe, ele continua lá no final como a única possibilidade de relação. É verdade, Aurora, a Bela Adormecida ainda casa com o Príncipe, sem qualquer espaço para que o seu final feliz não dependa da realização de um casamento tradicional. O amor, para Aurora, continua restrito à heterossexualidade.
Outro ponto indicado como não feminista foi o temperamento de Malévola, uma personagem de índole boa, algo que remeteria à representação típica das mulheres como dóceis e sofredores pelos artifícios dos homens. Esse é um ponto do qual eu discordo porque enxergo na personagem Malévola uma determinação para enfrentar as pressões que ela sofre dos personagens masculinos, que por sua vez são uma alegoria ao patriarcado e ao machismo. Os homens do filme são, talvez à exceção do príncipe (que não faz nada para desafiar o status quo e abrir mão do seu privilégio de casar com a moça), cruéis, sedentos por poder e enojados ante à possibilidade de diversidade. (Diversidade, aliás, que as fadas cumprem de maneira semelhante aos X-Men, em outro filme.)
Também ontem o blog Sobre Fadas e Ogros publicou a respeito de Malévola destacando um outro ponto importante: a sororidade, ou seja, a amizade e o afeto entre mulheres como um elemento que questiona a tradicional construção de histórias em que mulheres enfrentam mulheres (geralmente por causa dos homens). Em Malévola, a personagem-título não amaldiçoa Aurora por ela ser quem é, mas sim como uma forma de punir o rei Stefan. É de se presumir que ela teria feito o mesmo se fosse um filho com pênis, por exemplo.
A existência de elementos machistas na história interrompem as possibilidades feministas nele? Eu penso que não. Ao invés de taxar imediatamente algo como “sim feminista” ou “não feminista”, observar os elementos que sugerem uma virada no modo tradicionalmente machista de contar histórias (ao mesmo tempo em que percebemos os pontos que mantêm essas tradições e que, portanto, devem ser destacados) me parece uma forma melhor de lidar com a questão.
De modo algum o filme é um exemplo de história feminista. Há muito machismo permeando a narrativa inteira. Porém, há brechas, e são essas brechas que acredito que devem ser exploradas e ampliadas.