
Aconteceu nesta semana em um encontro de comunicação não violenta e relacionamentos que cofacilitei. Após a leitura de um texto, uma participante verbalizou que não havia gostado do que ouvira e explicou seus motivos.
A interpretação dela foi oposta à minha e, como facilitador, busquei iniciar uma conversa sobre isso, mas acabamos não aprofundando o tema para cuidarmos do tempo programado para outras atividades. Ainda assim, fiquei pensando com meus botões.
A comunicação não violenta traz a premissa de se deslocar dos julgamentos moralizadores, aqueles que determinam o que é certo ou errado, o que é bom ou ruim, o que deveria ou não ser feito. Apesar disso, saí do encontro pensando que algumas vezes as coisas estão certas ou erradas, afinal, a moça estava errada na leitura/escuta dela e isso prejudicou a apreensão do que queríamos debater no encontro.
Precisei de um punhado de dias para me descolar dessa noção de que ela estava errada e que havia algo ali a ser corrigido. Sim, nossas leituras do mesmo texto foram distintas. Sim, eu acredito que fiz uma leitura alinhada com o que o autor desejava transmitir. Sim, eu discordo da leitura que ela fez. Nada disso está fora de questão e nada disso depende de eu estar certo e ela estar errada.
Passei a refletir mais a fundo sobre isso quando comecei a procurar situações em que fizesse sentido “estar certo” ou apontar alguém que “está errado”.
Quando quero garantir que algo esteja certo ou deixe de estar errado, a minha postura é a de mostrar o caminho e indicar como a pessoa pode trilhar a vida do mesmo jeito que eu trilhei, como ela pode enxergar e pensar de forma similar à minha. Esse é, muitas vezes, o trabalho da educação. Esse foi e ainda é, em muitos aspectos, um pensamento colonialista, que impõe uma cultura e visão de mundo sobre outras.
Quero propor uma alternativa, já adiantando que essa é uma alternativa com a qual tenho dificuldade, em parte porque passei três décadas (informadas por milênios de humanidade) aprendendo a separar as coisas em certas e erradas. Essa alternativa é me aproximar do caminho que a outra pessoa está trilhando. Em outras palavras, perguntar como ela veio a ler o mundo, ou o texto, da maneira que ela está lendo.
O pensamento compassivo que a comunicação não violenta convida a exercer me importa muito, em especial se ele for também crítico, ainda mais de si mesmo. Eu quero encontrar as lacunas no meu pensamento e admiro pessoas que façam o mesmo movimento. Como educador, mais do que ter pessoas que pensem igual a mim, quero facilitar que pessoas vivenciem esse processo de questionarem-se, de duvidarem de si mesmas. Há espaço para que eu possa ler o mundo de forma mais ampla e complexa e quero isso para mim e para os outros.
Há algumas perguntas que podem me aproximar dessa visão de mundo que é diferente da minha:
“Você pode me ajudar a ver o que você está enxergando?”
“Como você aprendeu isso?”
“Quando você passou a acreditar nisso?”
Reconheço que para ouvidos já acostumados com julgamentos, essas perguntas podem parecer inquisitivas, julgadoras. Lançadas a partir de uma postura diferente de genuína curiosidade, provavelmente serão.
Nessas horas, transparência me parece ajudar: “Eu vejo/vi isso de outra forma e gostaria de entender de que forma você está percebendo”.
Por trás dessa pergunta está o cuidado em não invalidar a existência da outra pessoa. Ainda que um mesmo texto seja interpretado de formas diferentes, o mundo em que quero viver é um mundo em que a possibilidade do diálogo, da descoberta e do acolhimento de perspectivas distintas é algo possível.
Nesse encontro, quem sabe construímos algo juntos?