Sobre estar de passagem

Em todas as casas que morei nos últimos oito anos, lembro de haver pensado a mesma coisa: estou aqui de passagem, não há motivo para investir energia em reformar, decorar, deixar o ambiente com a minha cara. E assim vivi em espaços de parede branca e mobília utilitarista.

A clareza de que estou de passagem me acompanhou em todo esse tempo. Estou de passagem nessa casa, logo mudarei. Estou de passagem nessa vida, logo não estarei mais aqui. Agarrado a essa lógica, fica fácil me desconectar das pequenas coisas que tornam o cotidiano mais humano e mágico.

De uns tempos pra cá, venho me desamarrando de lógicas antigas e reconstruindo meu modo de viver. Uma dessas reconstruções implica em interferir na minha casa.

Ontem coloquei um quadro na parede.

Para qualquer pessoa, talvez seja apenas um quadro bonitinho. Quando olho para ele, lembro das histórias que o construíram. Lembro do meu amor por raposas e de como isso constitui minha identidade. Lembro do meu amigo querido que, pensando em mim, adquiriu esse quadro e o carregou num dia de chuva para me presentear. Lembro do meu namorado, que foi comigo até a loja de materiais de construção. Lembro das frustrações passadas de não haver conseguido colar quadros na parede e celebro o sucesso desta vez.

Estou aqui de passagem, mas deixar pequenas marcas no mundo que habito pode deixar essa passagem muito mais saborosa.