Lavar a louça não é responsabilidade dos outros

A louça continua na pia esquecida com seus restos de comida. Já se passaram dois, três dias? Hoje receberei visitas e quero recebê-los em uma casa limpa e ajeitada, mas há a louça.

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Lave a louça, dizem os budistas.

Mas e quando a louça não é minha, quando a louça é dos outros, dos que coabitam a mesma casa, mistura de amigos com família, mas ainda assim, outros? Não há nada no dito “lave a louça” que sugira que eu deva lavar apenas a minha louça, só o que há é meu incômodo por investir tempo em limpar as sujeiras dos outros.

Mas eu estarei limpando para quais outros? Para os outros que sujaram, e que continuarão a sujar, ou para os outros que me visitarão e, portanto, nada têm a ver com as sujeiras acumuladas no canto que lhes ofereço como abrigo?

E isso lá faz diferença?

A louça continua, seja na minha experiência de morador, seja na experiência dos visitantes. Ela abandonada e suja diz de como funcionam as regras do espaço e de quais são as tolerâncias de seus habitantes. Ela diz de mim.

Eu posso não ter comido nada naqueles pratos, cortado coisa alguma com a faca nem bebido daqueles copos. A pia continua sendo minha e continua dizendo de mim. Se está suja, é porque outra pessoa não limpou, mas também porque eu optei por não limpar.

A responsabilidade passou a ser minha no momento em que o incômodo se instalou. Mas que fique claro: não é uma responsabilidade de manter aparências de limpeza. Não se trata de aparentar cuidado com as coisas do lugar onde vivo, onde descanso, onde me cuido. Trata-se de ser esse cuidado.

É fácil dizer que a culpa é dos outros. Faz parecer que não havia nada que pudesse ser feito, pelo menos não por mim. Mas eu posso e a responsabilidade não é de mais ninguém, porque é meu problema. Talvez a louça jogada na pia não seja um problema para outras pessoas, talvez a louça abandonada, perto das variadas mazelas que afligem a humanidade, seja um pontinho irrelevante. Talvez haja coisas melhores a se fazer com o tempo de cada um do que lavar a louça.

O que vai definir isso é como eu invisto meu tempo – na casa e na vida. Então vou terminar este texto e lavar a louça, porque quero receber bem as pessoas que virão à minha casa.

 

Qualquer semelhança com o modo como tratamos nossas vidas, nosso planeta e as outras pessoas é meramente proposital.